Por Claudio Soares Sampaio
Pastor em São Francisco/MG
Este material se divide em três partes: na primeira, em face da mudança na Lei do Aborto, busco esclarecer os motivos em torno da mudança; na segunda parte, exponho as polêmicas em torno do fato e os alertas visíveis onde a lei acerca do aborto foi flexibilizada; na terceira e última parte, apresento o modo como a Igreja Adventista oferece uma diretriz para aqueles que no momento buscam orientações para um posicionamento face à proposta de praticar o aborto. Conquanto as diretrizes sejam para a comunidade adventista mundial, creio que serve a qualquer que esteja em busca de orientações e respostas acerca do tema.
PARTE I
Desde
muito tempo, a proposta de mudança na Lei do Aborto tem sido debatida entre
personalidades religiosas, políticas e cientificas, e sempre em clima de
divergências. Na atualidade o tema se mostra ainda polêmico. Na quarta-feira (27/06/12), a Comissão Especial de Juristas entregou ao presidente do Senado, José Sarney, o anteprojeto de novas reformas no Código Penal Brasileiro, que entre outras mudanças, propõe um novo olhar para a questão do aborto. O primeiro passo para as propostas teve começo na quinta-feira do
dia 12/04/2012, quando, com 08 votos a favor e 02 contra, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu pela aprovação da mudança no Artigo 142 da Lei que regulamenta a prática do aborto. Antes,
a Lei em vigor já considerava crime quaisquer tentativas de aborto, senão aquelas
previstas no Artigo 142 (a saber, nos casos em que a
gravidez ofereça risco de vida para a mãe ou nos casos de gravidez involuntária,
como estupro). Doravante, a Lei descriminaliza o procedimento em casos de grávidas com fetos
anencéfalos (aqueles com má-formação do cérebro e do córtex).
Mesmo com a nova regulamentação da Lei, a intervenção deve ser realizada obrigatoriamente por profissionais de saúde em clínicas credenciadas e mediante petição assinada pelo responsável. Vale lembrar que a pena prevista para quem infringe a Lei que regulamenta a prática do aborto ainda permanece: 01 a 03 anos de reclusão, tanto para quem se permite ou quem realiza o ato; e para quem vier a provocar o aborto sem o consentimento da mulher grávida é de 02 a 08 anos de reclusão, conforme o Artigo 140 do Código.
Possíveis Razões para a Alteração da Lei
As
possíveis razões da nova regulamentação poderiam ser apresentadas como uma
resposta a pelo menos três questões:
1.
Para otimizar a prestação de serviços àquelas
que carecem de atendimento. De acordo com dados, o Brasil é o quarto país no
mundo onde nascem mais crianças anencéfalas, perdendo apenas para Chile, México e Paraguai. No Brasil, a taxa é de 1/1000 para os casos de fetos com má
formação cerebral. O fato é que não sendo ainda regulamentado pela Lei, o
procedimento de impedimento da gravidez devia sempre ser realizada mediante
autorizações judiciais. Agora, é de supor que apenas mediante diagnóstico
médico, pode-se solicitar a intervenção médica, evitando o desgaste da espera.
2. A doença pode se consistir em risco para a
mãe. De acordo com a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Saúde (CNTS), a doença provoca a morte de 65% dos bebês ainda
dentro do útero materno, consistindo em grave risco para a mãe.
3.
A doença não deixa perspectiva de vida para o bebê. Sendo que a anencefalia é definida pela medicina como má-formação do cérebro e do córtex do bebê,
como dito acima, ela pode causar a morte do feto ainda
dentro do útero materno, e, nos casos de nascimento, sobrevida de algumas horas
ou, no máximo, dias.
PARTE II
Polêmicas em Torno da Mudança
De acordo com fontes, a proposta de alteração da Lei tem sido protelada há 08 anos, desde que foi
encaminhada ao Supremo pela CNTS.
Mas ainda que tenha sido votada pela maioria, a proposta causou
polêmica. Dos 10 votantes, divergiram da decisão os ministros Ricardo
Lewandowski e o presidente do STF, Cézar Peluso. Na ocasião Peluso destacou
a sua relutância afirmando que a ação de
eliminação da vida intra-uterina feita de modo intencional corresponderia ao
tipo condenado pelo Código Penal Brasileiro, não havendo nenhum “malabarismo
hermenêutico ou ginástica dialética capaz de convencê-lo do contrário”
"Ser humano é sujeito. Embora não tenha ainda personalidade civil, o nascituro é anencéfalo ou não investido pelo ordenamento na garantia expressa, ainda que em termos gerais, de ter resguardados seus direitos, entre os quais se encontra a proteção da vida".
Por
outro lado, mas ainda contrário à proposta, o ministro Marco Aurélio Mello, relator do
processo, declarou que caberia apenas à mulher, não ao Estado, analisar os
valores e sentimentos envolvidos na decisão pela interrupção da gravidez
envolvendo bebês anencéfalos.
Alertas no Cenário Europeu
Questões envolvendo alterações nas leis que regulamentam a prática do aborto têm agitado também os países da Europa,
como Portugal e Espanha, mas os resultados das aberturas não têm sido os mais
recomendáveis. Na Espanha especialmente, desde julho de 2010 uma nova
regulamentação da lei do Aborto abriu a
permissão para a prática de aborto para mulheres acima de 16 anos até a 14ª semana
de gestação, estendendo até a 22ª semana em casos de risco para as mães ou
graves anomalias no feto.
O
fato é que em seu último senso sobre o assunto, em 2010, o Ministério da Saúde da Espanha registrou
um total de pouco mais de 100 mil procedimentos abortivos em todo o País. Desse
total, mais de 46% dos casos envolveram pacientes entre 20 e 29 anos de idade. Somente
4% abortaram naquele ano por conta de gravidez de risco, enquanto que
quase 43% chegaram a essa decisão baseadas em vontade própria.
Entre
2001 e 2010, houve aumento constante de procedimentos abortivos em clínicas. Em
10 anos, o crescimento da prática foi de aproximadamente 62%. A maioria optou
por clinicas privadas.
Desde
que a Lei foi aprovada em 2010, diversas manifestações populares tiveram lugar,
no País, o que levou a vice-presidente de governo da Espanha, Soraya Sáenz de
Santamaría, do partido conservador, a anunciar em dezembro de 2012 que o novo
executivo corpo pretende revogar a nova Lei do Aborto, segundo ela, para
"preservar o direito à vida e garantir a situação das
adolescentes".
Diante
dessas realidades, tão conflitantes envolvendo o tema, aproveito para
disponibilizar a proposta da Igreja Adventista do Sétimo Dia em relação à
prática do aborto. Minha esperança é que sirva de apoio a todos aqueles que movidos de sentimento
religioso, buscam um auxílio frente ao desafio de compreender melhor a
proposta da Bíblia sobre esse intricado assunto. O material abaixo já não provém de minha escrita, mas de documentos copiados na internet de sites da igreja.
PARTE III
Posição da Igreja Adventista quanto ao aborto
Os adventistas desejam lidar com a questão do
aborto de formas que revelem fé em Deus como Criador e Mantenedor de toda a
vida e de maneiras que reflitam a responsabilidade e a liberdade cristãs.
Embora haja diferença de pensamento sobre o aborto entre os adventistas, o
texto abaixo representa uma tentativa de prover orientações quanto a uma série
de princípios e temas. As orientações estão fundamentadas nos amplos princípios
bíblicos, apresentados para estudo no fim deste documento.
1. O ideal de Deus para os seres humanos
atesta a santidade da vida humana, criada à imagem de Deus, e exige o respeito
pela vida pré-natal. Contudo, as decisões sobre a vida devem ser feitas no
contexto de um mundo caído. O aborto nunca é um ato de pequenas consequências
morais. Assim, a vida pré-natal nunca deve ser irrefletidamente destruída. O
aborto somente deveria ser praticado por motivos muito sérios.
2. O aborto é um dos trágicos dilemas da
degradação humana. As atitudes condenatórias são impróprias para os que
aceitaram o evangelho. Os cristãos são comissionados a se tornar uma comunidade
de fé amorosa e carinhosa, auxiliando as pessoas em crise ao considerarem as
alternativas.
3. De forma prática e tangível, a igreja, como
uma comunidade de apoio, deve expressar seu compromisso de valorizar a vida
humana. Isso deve incluir:
a. O fortalecimento do relacionamento familiar.b. Instrução de ambos os sexos quanto aos princípios cristãos da sexualidade humana.
c. Ênfase na responsabilidade do homem e da mulher no planejamento familiar.
d. Apelo a ambos para que sejam responsáveis pelas consequências dos comportamentos incoerentes com os princípios cristãos.
e. Criação de um clima seguro para o desenvolvimento de discussões sobre as questões morais associadas ao aborto.
f. Apoio e assistência a mulheres que decidiram prosseguir com uma gravidez problemática.
g. Incentivo e ajuda para que o pai participe com responsabilidade na tarefa de cuidar de seus filhos.
A igreja deve também se comprometer a mitigar os
lamentáveis fatores sociais, econômicos e psicológicos que possam levar ao
aborto e a cuidar de forma redentiva dos que sofrem as consequências de
decisões individuais nessa área.
4. A igreja não deve servir como consciência
para os indivíduos; contudo, ela deve oferecer orientação moral. O aborto por
motivo de controle natalício, escolha do sexo ou conveniência não é aprovado
pela igreja. Contudo, as mulheres, às vezes, podem se deparar com
circunstâncias excepcionais que apresentam graves dilemas morais ou médicos,
como: ameaça significativa à vida da mulher gestante, sérios riscos à sua
saúde, defeitos congênitos graves cuidadosamente diagnosticados no feto e
gravidez resultante de estupro ou incesto. A decisão final quanto a interromper
ou não a gravidez deve ser feita pela mulher grávida após e devido
aconselhamento. Ela deve ser auxiliada em sua decisão por meio de informação
precisa, princípios bíblicos e a orientação do Espírito Santo. Por outro lado,
essa decisão é mais bem tomada dentro de um contexto saudável de relacionamento
familiar.
5. Os cristãos reconhecem que sua primeira e
principal responsabilidade é para com Deus. Buscam o equilíbrio entre o
exercício da liberdade individual e sua responsabilidade para com a comunidade
da fé, a sociedade como um todo e suas leis. Eles fazem sua escolha em
conformidade com a Escritura e as leis de Deus em vez de com as normas da
sociedade. Assim, qualquer tentativa de obrigar as mulheres, quer a manter ou a
interromper a gravidez, deve ser rejeitada como violação à liberdade pessoal.
6. As instituições da igreja devem receber
orientações para desenvolver suas próprias normas institucionais em harmonia
com este documento. Pessoas que tenham objeções éticas ou religiosas ao aborto
não deveriam ser solicitadas a participar na realização do mesmo.
7. Os membros da igreja devem ser incentivados
a participar no desenvolvimento das considerações de suas responsabilidades
morais com respeito ao aborto à luz do ensino das Escrituras.
Princípios para uma visão cristã da vida
Introdução
“E a vida eterna é esta: que Te conheçam a Ti, o
único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3). Em
Cristo há a promessa da vida eterna, mas, uma vez que a vida humana é mortal,
os seres humanos são confrontados com temas difíceis com relação à vida e à
morte. Os seguintes princípios referem-se à pessoa como um todo (corpo, alma e
espírito), um todo indivisível (Gn 1:7; 1Ts 5:23).
Vida: nossa dádiva valiosa de Deus
1. Deus é a Fonte, o Doador e o Mantenedor de
toda a vida (At 17:25 e 28; Jó 33:4; Gn 1:30; 2:7; Sl 36:9; Jo 1:3, 4).
2. A vida humana tem valor único, pois os
seres humanos, embora caídos, são criados à imagem de Deus (Gn 1:27; Rm 3:23;
1Jo 2:2; 3:2; Jo 1:29; 1Pe 1:18, 19).
3. Deus valoriza a vida humana não por causa
das realizações ou contribuições humanas, mas porque somos criaturas de Deus e
objeto de Seu amor redentor (Rm 5:6, 8; Ef 2:2-6; 1Tm 1:15; Tt 3:4, 5; Mt
5:43-48; Ef 2:4-9; Jo 1:3; 10:10).
Vida: nossa resposta ao dom de Deus
4. Valiosa como é, a vida humana não é a única
e última preocupação. O sacrifício próprio em devoção a Deus e aos Seus
princípios pode tomar a precedência sobre a vida (Ap 12:11; 1Co 13).
5. Deus nos chama para a proteção da vida
humana, e responsabiliza a humanidade por sua destruição (Êx 20:13; Ap 21:8; Êx
23:7; Dt 24:16; Pv 6:16, 17; Jr 7:3-34; Mq 6:7; Gn 9:5, 6).
6. Deus está especialmente preocupado com a
proteção do fraco, indefeso e oprimido (Sl 82:3,4; Tg 1:27; Mq 6:8; At 20:35;
Pv 24:11,12; Lc 1:52-54).
7. O amor cristão (agape) é a valiosa
dedicação de nossa vida para elevar a vida de outros. O amor também respeita a
dignidade pessoal e não tolera a opressão de uma pessoa para apoiar o
comportamento abusivo de outra (Mc 16:21; Fp 2:1-11; 1Jo 3:16; 4:8-11; Mt
22:39; Jo 18: 22, 23; 13:34).
8. A comunidade crente é chamada a demonstrar
o amor cristão de maneira tangível, prática e substancial. Deus nos chama a
restaurar gentilmente os quebrantados (Gl 6:1, 2; 1Jo 3:17, 18; Mt 1:23; Fp
2:1-11; Jo 8:2-11; Rm 8:1-14; Mt 7:1, 2; 12:20; Is 40:42; 62:2-4).
Vida: nosso direito e responsabilidade de decidir
9. Deus dá à humanidade a liberdade de
escolha, mesmo que isso conduza ao abuso e a consequências trágicas. Sua
relutância em forçar a obediência humana requereu o sacrifício de Seu Filho.
Ele nos manda usar Seus dons de acordo com Sua vontade e finalmente julgará seu
mau uso (Dt 30:19, 20; Gn 3; 1Pd 2:24; Rm 3:5, 6; 6:1, 2; Gl 5:13).
10. Deus convida cada um de nós
individualmente a fazer decisões morais e a buscar nas Escrituras os princípios
bíblicos que fundamentam tais escolhas (Jo 5:39; At 17:11; 1Pd 2:9; Rm
7:13-25).
11. Decisões sobre a vida humana, do início ao
fim, devem ser tomadas no contexto de relacionamentos familiares saudáveis, com
o apoio da comunidade de fé (Êx 20:12; Ef 5:6, 12). As decisões humanas devem
ser sempre centralizadas na busca da vontade de Deus (Rm 12:2; Ef 6:6; Lc
22:42).
1. Aborto, conforme compreendido neste
documento, é definido como qualquer ação que vise a pôr fim a uma gravidez já
estabelecida. É diferente do controle de natalidade, que é a intenção de
impedir a gravidez.
2. A perspectiva fundamental dessas
orientações foi extraída de um extenso estudo da Escritura, conforme
demonstrado nos “Princípios para uma Visão Cristã da Vida Humana”,
incluídos neste documento.
(Essas orientações foram aprovadas e votadas pela Comissão Executiva da Associação Geral em 12 de outubro de 1992, durante o Concílio Anual realizado em Silver Spring, Maryland, EUA.)
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