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O Natal, as Neuroses e o Paganismo no Meio Evangélico.



Todo mês de dezembro, com a chegada do Natal, chegam as mesmas dúvidas acerca de nosso papel como crentes de tradição evangélica protestante, diante dessa festividade. As argumentações são sempre as mesmas: Trata-se de uma data pagã, tem vínculos com a idolatria, entre outras. 

Se por um lado, há a triste constatação de que há uma exagerada insensibilidade diante de certas práticas que de modo sorrateiro, corromperam o cristianismo, é de dar dó a sensibilidade extrema por parte daqueles que vivendo neste mundo, não experimentaram ainda a alegria da descoberta de que em nosso papel como “sal da terra”, não nos é impossibilitado a participação das alegrias e contentamentos de nossa vida terrena, em nosso contato com a cultura deste mundo, nas situações em que nossa fé não esteja contraditada, mas sim ser poderosa influência. Mas a busca equivocada de santidade tem desvirtuado muitas coisas e levado muitos crentes a ver o diabo onde ele não se encontra.

Fazendo um vínculo com o tema do Natal, o que gostaria de expor aqui é como nós cristãos, como “sal da terra”, temos o privilégio de cristianizar a cultura de nosso tempo, e que o chamado para “viver para Jesus” nem sempre exige uma fuga deste mundo. Não ter equilíbrio nesse caso, é que pode nos conduzir a grandes excessos.

As Neuroses

Gostaria de usar aqui o termo cunhado por Adriano Chagas, "neurose evangélica", para expor essa fragilidade espiritual de muitos crentes, que vendo-se cercados pela "maldade deste mundo" e ansiosos diante do chamado à santidade, passam grande quantidade de seu tempo na elaboração de longas listas de proibições: 

Não se pode comemorar o Natal pela associação da data a um deus sol; não se pode dar presentes nem armar uma árvore por que existe uma associação a Papai Noel e a certo São Nicolau; não se pode comemorar a Páscoa porque tem relações diretas com as práticas culturais do extremo oriente; não se pode comemorar dia dos pais, das mães ou das crianças, pois promovem exploração comercial e consumismo; não se pode celebrar a chegada do novo ano porque isso se acha ligado a um calendário criado pelo catolicismo; não se pode cantar “nParabéns a Você” nem o bordão “Rá-Ti-Bum!”, pois essas palavras em dialetos antigos (que ninguém ainda soube especificar qual) significa que estamos amaldiçoando os aniversariantes; nunca se deve comprar fraldas Pampers, nem usar artigos da marca Hello Kitty, pois estão ligadas a satanistas e é uma saudação ao demônio; a TV deve ser proibida pois é a “caixa do diabo”; as músicas da Galinha Pintadinha são diabólicas e promovem adoração de entidades do Candomblé; e a lista não tem fim. É muitas vezes, um caso patológico, de ordem emocional, creiam. Não sem razão, Adriano Chagas definiu isso como “neurose".

Mas voltando ao assunto do Natal, me atrevo a inquirir: Me digam, senhores, onde é possível encontrar neste vasto mundo de meu Deus, alguma prática ou costume dos povos que não esteja vinculado a algum elemento cultural religioso? 

Até mesmo aqueles costumes vistos pelos cristãos como edificadores da fé, mesmo não estando diretamente ligados à religiosidade em sua origem, mais tarde foram aglutinados por ela, e de algum modo, mesmo adotados pela fé cristã, estabeleceram algum vínculo com o mundanismo e secularismo. 

Para se ter uma ideia, se todos os crentes, tão elegantes em seus ternos e gravatas nos cultos sabáticos e dominicais, soubessem da origem do uso da gravata, quem a criou e por que a criou, a que ela aponta, será que este elemento tão valorizado no meio eclesiástico também seria radicalmente amaldiçoado? E que dizer da aliança de casamento, que tem origem no hinduísmo e nos povos antigos como os egípcios, e que antes de ser incorporada pelos romanos na cultura ocidental, e depois pela própria cristandade nas celebrações cristãs simbolizava, essencialmente, que a mulher era propriedade pelo homem que lhe punha o anel? Até mesmo a cerimônia do casamento em si, não tem origem na prática da igreja apostólica, e hoje, esse rito tão rico de sentido, já estabeleceu laços firmes com o secularismo e consumismo desde muito tempo. 

Até mesmo o simples ato de celebrar aniversários, como um dia de gratidão a Deus, já tinha sua proibição nos dias iniciais da igreja, porque alguns crentes viam nisso uma associação pagã aos antigos costumes dos egípcios, que celebravam os anos de seus faraós e deuses. Todavia, hoje, a quase totalidade dos crentes se vale desse costume como uma ocasião para louvar a Deus e homenagear pessoas amadas. Alguns ficariam estupefatos ao descobrir que essa comemoração surgiu dentro de nossa cultura ocidental influenciado pela instituição do Natal, quando decidiram celebrar o aniversário de Jesus, a cada dezembro!

O que eu disse acima volto a afirmar: Como sal da terra, em diversas ocasiões, o crente poderá se valer da cultura como veículo de disseminação da fé, quando esta não subverte os valores do cristianismo, mas o promovem. Nesse caso, quando “despaganizamos” uma data e de certo modo "cristianizamos"  um costume isso não comprometeu em nada a fé entregue aos santos. O Natal anulou a festa ao Deus Sol e hibe prevalece a pessoa de Cristo. 

É possível ver na cultura dita profana, elementos que nas palavras do Pastor Assad Bechara, são como "janelas redentivas", e por elas a luz pode passar. Vemos exemplos disso na própria Bíblia. Muitas das afirmações de Paulo em sua teologia estão associadas a práticas e costumes de fundo religioso de seu tempo. De modo específico, ao tratar do Natal, me lembra aquele texto de Atos 17:22-23, quando o mesmo Paulo se valeu de um altar pagão, dedicado ao "deus desconhecido", nome que era possível de ser aplicado a qualquer divindade do vasto panteão ateniense, mas que naquele momento se tornou uma janela redentiva, um veículo da fé que ele, Paulo, anunciava. E ele mesmo disse: “Pois esse que adorais sem conhecer, é precisamente aquele que eu vos anuncio.” (Atos 17:23b).

Que a festividade do Natal esteja associada a antigas práticas culturais de fundo religioso é algo que não se pode negar. Mas o fato de que em dado momento a fé cristã tenha feito desse elemento uma “janela redentiva” não é algo contrário a Bíblia. 

Foi como se os crentes, como Paulo aos atenienses, dissessem para as gentes daquele tempo: “Essa novidade que vocês buscam a cada dezembro, essa luz que traz vida, essa vida plena que desejam, é a Luz verdadeira que vos anunciamos, Jesus. Deixem essas práticas sensuais comuns nesse dia e festejem a sua fé em Cristo, para contraste de seus conhecidos pagãos." 

E no momento em que essas gentes abandonaram o deus sol, ou quaisquer outros deuses pagãos e se voltaram unicamente para Jesus, entendendo que Ele era a encarnação daquilo que eles, de modo tateante e nebuloso, conseguiam vislumbrar, ouso dizer que houve uma conversão de valores, uma “cristianização de um costume” e não como muitos afirmam, uma “paganização do cristianismo”.

 A paganização do Natal pode sim, acontecer, quando se repete o sistema pagão de celebração nesse dia. Além disso, quando pediram que se celebrasse o Natal dia 25 de dezembro, não foi com desejo de que seguissem uma festividade pagã, mas para combatê-la. Era desejo dos primeiros cristãos, que, ao celebrarem o nascimento de Jesus, os cristãos ficariam impedidos dos excessos das festividades pagãs daquele dia e fossem um contraste para os demais que não eram cristãos. 

Além disso, em um artigo, Sidnei Moura afirmou que a Festa das Luzes (Chanukah) poderia ter influenciado o estabelecimento do Natal no dia 25 de dezembro. Com base na Mishnah (livro das tradições orais do Judaísmo) ele afirma que essa festa instituída pelos judeus desde o tempo dos Macabeus, no dia 25 de Kislev (dezembro), quando as luzes  eram acesas, foi vinculada à tradição judaico-cristã da igreja primitiva na mesma data (aqui). Jesus teria participado dessa festividade em seus dias na carne, conforme João 10:22-23, e os crentes primitivos deram continuidade a essa festividade conforme o erudito judeu-cristão Alfred Hendersheim. 

No estabelecimento da data do Natal, houve aproximação tanto da vertente pagã quanto  judaica. Porque nos dias de hoje só se enfatiza o paganismo?

Desse modo, há a forma pagã e a forma cristã de celebrar o natal, a Páscoa, o ano novo, e até mesmo um casamento ou aniversário. O problema não é o "dia", mas o "modo" como o celebramos. E podemos vivenciar datas especiais como a Páscoa e celebra-las dentro de nossa vivência cristã, sem medos. Precisamos descobrir a verdade de que em nosso chamado divino para a criação de uma nova visão de mundo, em muitos casos, uma força nos é dada para convergir os olhos de todos para Jesus.

Assim, também o Natal. Está em nós mesmos o poder de fazê-lo como um elemento que promova os valores cristãos, ou, por outro lado, podemos celebrar os valores do deus Sol ou do secularismo. Aliás, me pergunto: quem hoje celebra isso? Eu, pelo menos, nunca vi ninguém celebrando o deus sol nesse dia. 

Quando me misturo com os crentes que conheço, vejo pessoas falando de Jesus, participando de recitais,  presenteando amigos e ceando juntos! Que elemento pagão há nisso? Se existiu um traço pagão relacionado a essa data, penso que já desapareceu há muito tempo, eclipsado pelos raios fulgurantes do Sol divino, de Cristo. Talvez a armadilha atual seja o consumismo. mas nisso, que cada um cuide de si.

Concluindo


Não se pode negar que a celebração cristã do Natal seja essencialmente cristã. Deus se fez carne. Teve seus dias marcados nesse mundo. Aniversariou. Celebrou momentos  alegres com seus parentes e amigos. Celebrar isso não é condenável. O que podemos condenar hoje é o foco materialista presente na maioria dos casos. Por isso, quando por exemplo, a IASD aconselha a montar uma árvore no ambiente de reunião e a convidar os cristãos a depositar aos pés da árvore um presente em forma de oferta para a obra de Deus, é para conduzir os olhos dos fiéis para a gratidão a Jesus.
“Deus muito se alegraria se no Natal cada igreja tivesse uma árvore de Natal sobre a qual pendurar ofertas, grandes e pequenas, para essas casas de culto. Têm chegado a nós cartas com a interrogação: Devemos ter árvore de Natal? Não seria isto acompanhar o mundo? Respondemos: Podeis fazê-lo à semelhança do mundo, se tiverdes disposição para isto, ou podeis fazê-lo muito diferente. Não há particular pecado em selecionar um perfumoso pinheiro e pô-lo em nossas igrejas, mas o pecado está no motivo que induz à ação e no uso que é feito dos presentes postos na árvore. A árvore pode ser tão alta e seus ramos tão vastos quanto o requeiram a ocasião; mas os seus galhos estejam carregados com o fruto de ouro e prata de vossa beneficência, e apresentai vossas doações santificadas pela oração. As festividades de Natal e Ano Novo podem e devem ser celebradas em favor dos necessitados que têm família grande para sustentar.” - Ellen White, O Lar Adventista, pag. 482.
O que disso passar, vem pelo excesso da criatividade ou pela neurose extremada e às vezes, inocente, de muitos crentes. – (Claudio Soares Sampaio).

Leitura auxiliar:

Recomendo a leitura de um artigo bem instrutivo com o Pr. Milton Torres, Dr. em Arqueologia Clássica pela Universidade do Texas e Pós-Doctor em Letras Clássicas pela USP, além de ser especialista em Cristianismo Primitivo (seculos I-IV), com sua entrevista sobre o Natal. Leia: Entrevista sobre o Natal.

3 comentários:

  1. Maravilhoso! Um dos melhores posts que já li sobre o assunto.
    Até que enfim encontrei sensatez o suficiente! Parabéns!

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    Respostas
    1. Oi Roger

      Que bom que apreciou nosso texto.

      Faltou mencionar que as festividades pagãs eram voltadas á excessos tanto no beber, comer quanto em atitudes frívolas. A tentativa de fazer o cristãos festejarem Jesus sera com finalidade de coibir esses excessos e conduzir os olhos deles a Cristo, esquecendo-sedo deus sol. Podemos fazer isso ainda hoje.

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      Pr. C.

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    2. O melhor texto sobre o tema, para mim ainda é este:

      Entrevista Sobre o Natal, com Dr. Milton Torres, Professor no UNASP.

      (Link: http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com.br/2013/12/o-natal-as-neuroses-e-o-paganismo-no.html).

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